By: Newsroom CKA
Artigo de opinião publicado na seção Diagnóstico da Revista Visão e Saúde edição jul-ago-set/2018, vol. 9, p38.
Título: Cadê o médico de confiança?
Autor: Kazusei Akiyama, MD
A Medicina é a ciência e a arte de cultivar a saúde das pessoas e de corrigir as doenças. Precisamos lembrar que a pessoa é o centro e o motivo principal da atenção à saúde. Entretanto, temos várias indicações que a medicina praticada no nosso meio, não está atualmente alinhado com a demanda dos pacientes. Notamos esse erro de demanda não de maneira pontual ou setorial, mas fazendo parte de um grande processo, tomando todas as etapas da vida do ser humano. Começa antes do nascimento, quando já temos a polêmica do uso de doulas em cenário obstétrico. Chegando ao fim da vida, uma agenda importante da iniciativa Slow Medicine chama a atenção para a agressividade das condutas médicas, especialmente prejudicial nessa etapa.
Vivemos tempos de grandes mudanças. Que trazem diferentes questões de saúde pública. Existe consenso de que a melhora da expectativa de vida das pessoas se deve grandemente à urbanização. A tendência no mundo todo é essa, e a Organização das Nações Unidas estima que em 2030, 60% da população mundial estará vivendo em área urbana. Por outro lado, a urbanização no molde que está ocorrendo, faz quebrar os relacionamentos pessoais, familiares e comunitários. Viver em ambiente urbano pode melhorar a expectativa de vida mas traz junto outros riscos, como viver cada vez mais isolado. Fenômeno que está no cerne da criação no Reino Unido em 2018, do Ministério da Solidão. As conseqüências da solidão são abordadas como problema de saúde pública.
Outra mudança importante que aconteceu nas últimas décadas foi a Revolução da Informação. O ser humano passa a dispor de uma quantidade absurda de informação, médica inclusive, num pequeno aparelho que cabe na mão. Isso não existia há 10 anos. Os pacientes dispões de muitas informações sobre condições médicas atualmente, o que fez com que a dinâmica de uma consulta médica modificasse: há estimativas mostrando que 80% do tempo é gasto com análise e discussão de informação que o paciente traz.
O acesso a informação tem o potencial de aumentar a autonomia da pessoa. Trata-se de um empoderamento, que resultou num avanço da prática médica: a coparticipação do paciente e a divisão da responsabilidade em direção à busca do melhor solução para o seu problema de saúde. Foi nessa época que a indústria da saúde passou a chamar o “paciente” de “cliente”. É a vontade da pessoa que vale. Bom por um lado, o ruim foi criar uma legião de pessoas que tinham que tomar decisões acerca da sua saúde. E uma explosão de publicação, principalmente via internet, de informações de cunho médico para dar suporte à legião.
Ocorre que informação não é conhecimento.
Atuando como clínico geral há mais de 20 anos, noto que as pessoas estão em busca de um profissional que cuide de sua saúde de forma integral e não somente um médico que trate suas doenças. A maneira como nossa sociedade está organizada atualmente, faz com que aquele que se apresenta à sua frente, seja o cidadão-paciente, confuso e “meio-abandonado”, com dificuldade de discernir entre o certo e o duvidoso, o correto e o mentiroso. As pessoas, hoje em dia, procuram num médico, alguém que possa ajudá-los a navegar nesse novo mundo. Mais do que saber tratar de uma doença, alguém em que possam confiar. É o “médico de confiança”. Esse papel, antigamente era do “médico d’A família”.
As seguintes características são esperadas em um médico-de-confiança: 1. ser próximo, não somente a distância, mas como relação pessoal também; 2. conseguir dar início a resolução de qualquer tipo de problema de saúde; 3. ter disponibilidade para atendimento; 4. ter capacidade de explicar o problema, a solução, o tratamento; 5. ter capacidade de reconhecer seus limites, referindo para devidos serviços quando necessário.
Ser médico-de-confiança não é questão de especialidade, é uma questão de atitude do médico. As palavras do dr. Dario Birolini, Professor Emérito da Faculdade de Medicina da USP clarificam tal atitude: “a decisão final de qualquer tipo de medida é do paciente, entretanto o médico deve ter a obrigação de explicar claramente, de uma forma honesta e transparente, sem qualquer tipo de insinuação, para que o paciente possa tomar decisões pessoais equilibradas, justas e sensatas”. A Demografia Médica no Brasil 2018 recém publicado pelo Conselho Federal de Medicina mostra um dado interessante: das especialidades médicas registradas, a segunda com menor média de idade é a Medicina de Família e Comunidade. Pode ser um dado mostrando que os médicos mais jovens estão atentos à demanda da sociedade.
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